Referência Musical



Hoje decidi falar sobre o maior cantador com quem tive o privilégio de, no cotidiano, conviver intimamente: MEU PAI.

De batismo, Cleóbulo de Oliveira Miranda. Pelos Amigos, Kekeu, Cleobinho das Baratas, Migué, mas nos últimos dez anos ele mesmo se intitulava de “Cleobito Del Coyote[1]”.

Falar de meu Pai não é uma tarefa das mais fáceis. Não apenas pela amplitude da sua importância em minha vida, como pela extensa referência pessoal que tenho dele. Um homem de bem, digno, decente, alguém que soube viver, desfrutando da vida em tudo que ela pode oferecer.

Como PAI foi um exemplo vivo do que estas três letrinhas pode significar. Sua importância na minha vida é tão grande, que não caberia em pequenas e maus traçadas linhas tentar descrever, pois a utilização de todas as palavras do dicionário não seriam suficientes para descrever a nossa complexa relação de Pai e Filho, ou o AMOR que sentíamos (e, tenho certeza, que sentimos hoje e sentiremos para sempre, onde quer que estejamos) um pelo outro. Posso dizer que Ele é minha referência...


No ambiente doméstico e familiar a sua importância foi imensa e impossível de descrever. O vínculo eterno de Amor com minha Mãe se fez presente até o último instante, fazendo com que as tempestades do passado fossem aquebrantadas com a cumplicidade dos últimos anos; o carinho, cuidado, amor e zelo com os meus filhos, Zidane e Kal-El ficarão eternizados para sempre em nossas lembranças.

O amparo à família, transcendeu aos limites de mulher, filho e netos, pois o amor que sentia pelos seus irmãos e sobrinhos sempre foi algo marcante e reconhecido na família Miranda, a qual ele se orgulhava de integrar. Entre os Amigos, o registro da sua presença será sempre inesquecível para todos aqueles que o conheceram e puderam desfrutar da sua presença, companhia, amizade, coleguismo e muito mais.

No âmbito profissional, ele foi um Vencedor: filho de uma família humilde, que, “melequinho do Pilão[2]”, trabalhou desde os 14 anos de idade, passando desde a fábrica de colchões de mola, à função de bancário, tendo sido o mais celebrado goleiro do São Paulo de Feira, até chegar como serventuário da Justiça Federal, de onde se aposentou e ingressou na Advocacia, até pendurar as chuteiras da sua jornada laboral.

Mas, neste momento, não é sua jornada de vida que me proponho a abordar. O enfoque ao qual pretendo pormenorizar diz respeito à maior referência pessoal que Ele teve entre todos os ambientes dentre os quais conviveu, desde o ambiente doméstico e familiar, ao seu vasto ciclo de convivência social, qual seja, a de Cantador, boêmio e Violeiro.

Um violeiro nato, que aprendeu a tocar sozinho, nas ruas da Feira de Santana, ouvindo no rádio os boleros do Trio Irakitan, do Trio Los Panchos, ampliando o repertório da velha guarda da MPB com Morenito – com quem ele reputava ter aprendido a tocar violão –, cantarolando com os Divinais[3] e com Milton Brito[4], cantando Altemar Dultra, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Herivelto Martins, Trio de Ouro, Noel Rosa, Vicente Celestino, Ary Barroso, Waldick Soriano, entre tantos outros ícones da antiga MPB.

O aperfeiçoamento nas serestas boêmias com os Migués, Dalmar Caribé e Otaviano – o “Gordão” da Alimba – fez com que “Cleobinho das Baratas” não ficasse alheio à MPB da sua juventude e vida adulta, de modo que seu repertório foi incrementado pelo repertório dos tempos áureos do Roberto Carlos, além de conviver com a fina flor da elite da MPB, sofrendo influências de Chico Buarque, Toquinho e Vinícius, Caetano, Gil Bethânia e Gal Costa, entre outros.

O ecletismo da sua formação musical passeou pelos Novos Baianos, Adoniran Barbosa e os Demônios da Garoa, Dorival Caymmi, Clara Nunes, Paulo Diniz, Raimundo Sodré, Raul Seixas, Antônio Marcos, dentre tantos outros nomes da nossa música que seria impossível descrever a todos.

A convivência com o cunhado, Augusto Jatobá, o aproximou do repertório de Xangai, Elomar e Geraldo Azevedo, entre outros.

O convívio com o “Compadre Cícero”, por sua vez, o aproximou do repertório do inesquecível Ederaldo Gentil, mas foi com o baiagoneiro Chico Moura, que a veia caipira se acentuou, traçando os contornos de uma parceria seresteira inesquecível, que orgulharia Rolando Boldrin.

Enfim, todos seus passeios musicais e boêmios lhe conferiram um repertório tão eclético quanto infinito.

Apesar das suas incontáveis cantorias, alguns registros são inesquecíveis.

Tenho tantas lembranças boas de uma vida inteira de festas, que seria impossível detalhá-las por aqui, pois uma infinidade de episódios são marcantes e inesquecíveis. Mas, registrarei aqui os primeiros que me surgirem à mente:

Os primeiros registros vem da emoção das cantorias em família. As cantorias com minha mãe entoando “E agora José...[5]” aparece na linha de frente. Não se pode deixar de recordar os episódios de quando o repertório de Waldick Soriano era compartilhado com os irmãos Chiquito e Bamba, ou dos acompanhamentos ao talento do irmão Taty Miranda (Edivaldo). Estes episódios são inesquecíveis... Mas ter vivenciado Kekeu acompanhando a própria mãe, Dona Hermínia cantando, foi uma emoção sem precedentes.
O lançamento do LP de Dalmar Caribé - no qual Ele registrou seu violão -, quando Ele entrou cantando no palco do antigo Teatro Maria Bethânia, foi algo marcante e inesquecível.

Outro episódio marcante foram os espetáculos que Ele promovia nos eventos do Encontro de Casais, quando em plena Paróquia da Vitória ele puxava o violão e surpreendia o, então, Padre Sadoque, ao entrar cantando o “Barraco” de Ederaldo Gentil para a fina flor da sociedade soteropolitana.

Sim, mas o mais simbólico registro musical deixado foi quando Ele interpretou as belíssimas canções do talentoso compositor Feirense Sr. Argeu Matos, merecendo uma filmagem caseira das mais belas.

Lembro como se fosse hoje, da seresta que fizemos juntos, em pleno dia 2 de Julho - Dia da Independência da Bahia -, atendendo ao convite dos queridos amigos João Jorge e Rízia, em homenagem ao aniversário da talentosa escritora, dona Zélia Gattai. Era noite quando nossos violões quebravam o silêncio da rua, no Rio Vermelho, assim, meu Pai interpretando a épica obra de Vicente Celestino, "Noite Cheia de Estrelas", tal qual a cena do Vadinho cantando em serenata para Dona Flor, na obra do nosso querido Jorge Amado. Neste dia, o sucesso da serenata foi coroado pelo carinho e atenção do ilustre e imortal casal de escritores (Jorge e Zélia) que nos adoçaram os ouvidos com histórias encantadoras. 

Outro momento marcante para mim, foi quando dividimos o palco da Praça Quincas Berro D'Água no Pelourinho, onde eu costumava fazer shows com a banda "Clever Jatobá - O Chamego do Forró". O show da banda era de forró, mas o velho Cleobito Del Coyote não deixou passar em branco. Subiu ao palco, dividiu comigo a interpretação da música "Sabiá" e, em seguida, comandou a festa cantando um pout-pourri de Baião do imortal Luiz Gonzaga, animando o público que ali estava presente. Este foi realmente um SHOW.

Entre infinitas canções, algumas músicas têm e terá sempre a sua cara. Quem não o ouviu cantando “A Chalana”, ou “Sertaneja” não sabe o quão maravilhoso era seu espetáculo. Agora, quem nunca ouviu suas cantorias com Chico Moura não pode ter noção do que era uma boa e inesquecível farra.

Uma coisa é certa, Cleobito Del Coyote soube viver... Conquistando a todos com sua humildade e encantando com sua alegria e irreverência, passeando pela vida com dignidade, tocando a vida nas cordas do seu violão.


Infelizmente nós não somos eternos... Nossa jornada de vida aqui na terra é passageira. Assim, em 14 de Outubro de 2013 meu querido e amado PAI se foi, retornou ao berço do criador. Partiu deixando saudade, mas, como Ele mesmo disse, com o sentimento de dever cumprido.

Ficará pra sempre as lembranças de uma vida de festa, onde os acordes do seu violão fizeram história. Seguiu ao destino de todos nós, mas deixou seu legado musical que me acompanhará para sempre, não apenas nas músicas, que com ele aprendi, ou na influência marcante que deixou no meu GOSTO MUSICAL, mas, também nas posturas pessoais, nos exemplos e na forma de conduzir a vida, com decência e dignidade.

Tenho muito a agradecer a DEUS por ter tido a honra de ter como PAI alguém tão especial e importante, que deixou para sempre a sua marca em minha vida.

Com o fim da sua jornada terrena, quedou silente por aqui seu violão, mas Hoje, tenho a certeza de que a seresta continua no plano espiritual com toda musicalidade possível, pois daqui consigo ouvi-lo cantando constantemente, há todo momento, em todos os instantes VIVO, eternamente, em meu CORAÇÂO.



[1] Referência ao personagem das suas leituras dos tempos de criança, O Coyote, uma espécie de Zorro da obra de J Mallorqui. Vide: http://livroseopiniao.blogspot.com.br/2011/12/o-coyote-o-heroi-emblematico-das-pulp.html
[2] Referência à rua do Pilão sem Tampa, no Centro de Feira de Santana, cidade que lhe acolheu desde infância e com a qual o mesmo teve sua maior referência pessoal.
[3] Trio de cantadores Feirense formado pelos amigos Dida, Waltinho e que com imenso talento cantavam e encantavam no estilo dos demais trios de boleros da época.
[4] Amigo e exímio cantor feirense, atualmente, Advogado.
[5] Versos do poema José do imortal Carlos Drummond de Andrade, musicados pelo talento de Paulo Diniz.

Um comentário:

  1. Meu inesquecível amigo irmão .'. Cleóbulo O. Miranda "KEKEU" ou Cleobito Del Coite, sua memória é uma constante em minha vida... Sempre lembrado pelos amigos que tiveram o privilégio de compartilhar de seu excelente gosto musical, ora animando a constelação celestial para alegria do Grande Arquiteto do Universo. Descanse em Paz .'. Chicomoura_baiagoneiro.

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