segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

VIOLÃO AMIGO

Mitos ou Verdades
Violão Nacional, ou Importado?
Como comprar um bom instrumento
Por: Clever Jatobá¹

Estes dias, navegando na internet, encontrei uma matéria que falava que as fábricas de violões brasileiras estavam fechando, virando importadoras, pois de fato seus instrumentos estavam sendo produzidos na China e que as empresas que ainda fabricavam instrumentos no Brasil tinham uma produção baixíssima.

Di Giorgio - Tárrega
A matéria era excelente. O colunista - Vitor Sorano - passeou entre as marcas brasileiras mais importantes, tais como, Di Giorgio, Del Vecchio, Giannini, Rozini e Rei dos Violões, dando um panorama bem lúcido acerca da produção de instrumentos musicais em nosso país. 

O ponto forte da matéria, a propósito, foi o fato de denunciar que a alta carga tributária e o peso dos encargos trabalhistas deixam os produtos brasileiros em extrema desvantagem com os produtos importados, mesmo diante da altíssima tributação dos importados. Esta realidade faz com que o mercado musical brasileiro opte por consumir instrumentos importados.

Bem, apesar de ficar sensibilizado com a matéria e revoltado com a situação das fábricas brasileiras de violões estarem fechando, vejo a situação por outra perspectiva, qual seja, a da qualidade.

Isso mesmo.

Acredito que a qualidade do produto pode ser o maior cartão de visitas para sua aceitação no mercado, bem como, o maior adversário, qual ocasiona a rejeição do público.

Até o início da década de 70 as fábricas de violões brasileiras mantinham um certo padrão de qualidade. Utilizava-se madeiras nobres e maciças em seus instrumentos, garantindo uma excelente qualidade sonora, mesmo pecando em acabamento e, às vezes, não tendo braços anatomicamente apropriados.

Ocorre, porém, que aos poucos a matéria prima foi ficando escassa, por conta do uso de madeiras de árvores em extinção, como o jacarandá e, assim, os instrumentos de madeira laminadas foram tomando o mercado. 

Aos poucos a qualidade sonora foi se perdendo e a produção de instrumentos descartáveis de baixíssima qualidade passou a tomar o mercado nacional, momento onde as fábricas brasileiras foram se perdendo, produzindo instrumentos que não afinavam bem e feitos sem parâmetros mínimos de qualidade sonora e estética passaram a ser a tônica das fábricas nacionais. 


Concomitantemente a isso, os instrumentos importados passaram a chegar ao Brasil, muitos deles já eletrificados, com um padrão de qualidade e acabamento infinitamente superior aos instrumentos fabricados no Brasil, fato que abalou o mercado nacional.

Inicialmente, foram os violões elétricos Ovation que caíram no gosto dos artistas brasileiros entre as década de 70/80. Porém, a caixa acústica de fibra arredondada, além de oferecer uma sonoridade muito peculiar, não era muito anatômico para valorizar a tocabilidade. 

Violão Ovation
Gibson - Chet Atckins

Foi na década de 80 que o mercado brasileiro passou a conhecer o melhor violão elétrico fabricado no mundo até aquela época. Trata-se do maciço Chet Atckins, da Gibson, instrumento que seduziu e conquistou todos os artistas do primeiro escalão da música popular brasileira, sendo usado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, João Bosco, Geraldo Azevedo, Fagner e tantos outros músicos pelo país à fora. 

O violão Chet Atckins, da Gibson tomou o mercado profissional, pois além da precisão na sua afinação, o circuito elétrico de altíssima qualidade capta cada corda individualmente, permitindo ao violão produzir uma sonoridade fantástica. Ademais, por ser todo maciço, sua eletrificação não permitia microfonia, nem qualquer falha de ressonância ou na frequência sonora.


Folk - Gibson
Ocorre, porém, que este violão, além de muito caro, por ter o corpo todo maciço, terminava sendo um instrumento muito pesado, mais pesado do que uma guitarra elétrica, motivo pelo qual foi aos poucos perdendo o mercado nacional.

Com o passar do tempo, marcas como Takamine, Gibson, Fender e Yamaha rapidamente tomaram o mercado com violões de cordas de aço, no modelo Folk, em versões acústicas e elétricas, oferecendo instrumentos com acabamento e afinação impecável, com uma sonoridade boa.


Takamine E-50 nylon
Vale ressaltar que estas marcas, além dos violões Folk de cordas de aço, também produziam bons instrumentos de corda de nylon. 

No segmento de violões de nylon, porém, a marca que mais se destacou no mercado musical, em face ao parâmetro da qualidade foi a Takamine, que confeccionava em série instrumentos de excelente sonoridade, obtida através da selecionada matéria prima utilizada, oferecendo precisa afinação, além de um excelente acabamento e a melhor captação e circuito elétrico do mercado profissional.


A virada do século trouxe uma nova febre para os violões elétricos que foi o chegada ao mercado dos violões Godin. Estes violões chegaram com um design próprio com uma linha de instrumentos maciços como o Chet Atckins, da Gibson, porém, mais leves e mais baratos, trazendo como novidade o braço mais fino (Slim) mais próximo das guitarras e as captações individualizadas e a placa MIDI com saída de 13 pinos.

Os violões Godin rapidamente caíram no gosto popular dos artistas brasileiros, sendo utilizado por vários artistas renomados. Assim outros modelos foram sendo lançados, de cordas de nylon e aço, inclusive versões semi-acústicos (não totalmente maciço) que conseguiu alcançar uma boa sonoridade, e com o braço na espessura dos violões clássicos, como o modelo Multiac Grand Concert, D-Amb.
Violão Godin - Multiac Grand Concert D-Amb
Ocorre, porém, que a crise na qualidade não ficou só a cargo dos produtos nacionais não. A utilização de matéria prima de qualidade termina por onerar o produto, gerando para as empresas - mesmo internacionais - a necessidade de criar linhas e séries de produtos mais baratos, quais, inevitavelmente, tem um abalo na sua qualidade, de modo que atualmente, a marca, por si só, não significa qualidade.

Neste contexto, além das grandes marcas passarem a confeccionar instrumentos mais populares, a competitividade do mercado internacional permitiu o surgimento de inúmeras marcas que confeccionam instrumentos mais baratos e que passaram a tomar conta do mercado musical amador e profissional.


Estive estes dias numa loja de instrumentos musicais no shopping para comprar um encordoamento para violão e lá chegando, encontrei um amigo que estava testando um violão para seu filho adolescente. Quando ele me viu, pediu minha opinião sobre o instrumento.


Enquanto eu o orientava, chegou perto um representante dos instrumentos Yamaha tentando influenciar na venda, quis me mostrar um dos seus violões. 

O violão era bonito, mas, quando testei... sem som. Caí na besteira de falar que o violão não tinha som e o representante da marca, querendo defender seu produto, trouxe outros instrumentos para que eu olhasse. Pense a surpresa... Pois é... Todos os violões são lindos, bem acabados, mas sem som...

Bem, fui testar eletrificado e aí o mesmo passou a responder. O circuito elétrico é impecável. Apresentou a qualidade sonora que faltava quando tocado acústico. Daí me restou uma constatação: O investimento na tecnologia do circuito elétrico serve para compensar a péssima qualidade do instrumento acústico produzido em série.

O problema é que o preço destes instrumento feitos em série são absurdamente caros e a grande maioria deles não são bons instrumentos. Ah... mas o violão "tal" é de uma super marca... Sim, e daí? Daí vale a constatação de que para instrumentos acústicos, a marca nos engana.

Para saber se o instrumento é bom, além de conhecer das madeiras utilizadas na sua confecção, verificando se são maciças ou não, faz-se necessário tocá-lo, senti-lo e buscar ter parâmetro de comparação sonoro.

Luthier Sérgio Abreu 1987
Não há enganação. A finalidade do instrumento é produzir som. Então, para saber se ele é bom ou ruim, basta comparar a sonoridade e não se iludir com o discurso da marca, ou a beleza do instrumento.

Muitas vezes, violões nacionais antigos, feitos em madeira maciça são infinitamente superiores aos belos instrumentos importados que atualmente encontramos no mercado.

Só para que se tenha ideia, tenho um violão Tranquilo Gianinni da década de 40, que faz um estrago. Isso mesmo, uma sonoridade absurda, com graves e agudos bem definidos e com um médio equilibrado, coisa que muitos violões importados de hoje em dia não os têm.

Sim, mas como é possível, atualmente, adquirir um instrumento de boa qualidade?

Bem, ciente de que a sonoridade do instrumento está condicionada às madeiras utilizadas nele, não adianta adquirir instrumentos laminados, mesmo de marca internacionalmente reconhecida. 


Luthier Edson Valêncio
O primeiro passo é adquirir um instrumento de madeira maciça. Depois, o segredo está em  buscar uma combinação de madeiras apropriadas à expectativa do músico.

Neste contexto, o melhor é buscar um Luthier que possa confeccionar o instrumento certo para a pretensão do músico, onde as madeiras, as dimensões e a estrutura sejam feita de acordo com os anseios do músico.

Vale sinalizar que o Brasil é um pais super rico em luthiers, tendo alguns famosos e outros não muito conhecidos, mas tão bons quanto os famosos, com preços bons que podem até concorrer com o preço dos instrumentos feito em série, mas com uma qualidade infinitamente superior.

Bem, pretendo, doravante, escrever esta coluna VIOLÃO AMIGO, onde poderemos tecer reflexões sobre instrumentos da nossa coleção pessoal, ou instrumentos que testamos ou já utilizamos, procurando sempre manter o compromisso com a nossa impressão pessoal, desatrelado de apelos comerciais e dos discursos lendários que não atestam a realidade.

Assim, não temos compromisso com marcas famosas ou com luthiers tido como lendas. Nosso compromisso é com a nossa real impressão, adotando parâmetros de comparações objetivos, vinculados ao som e à qualidade.


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¹ Clever Jatobá foi músico e cantor profissional, violonista formado em Música pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), proprietário de uma infinita e diversificada coleção de CDS, de LPs, K7, DVDs, além de colecionador de instrumentos musicais e estudioso da arte da luteria de violões.


Verão de 2016.

2 comentários:

  1. Clever,muito bom o texto.Sou músico profissional há 25 anos,apaixonado por guitarras e violões, e sua história. Escrevi meu artigo de pós em cima da importância da eletrificação da guitarra. Essa viagem sobre a história do violao no Brasil muito me interessa. Parabéns!

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  2. Amigo, saudações ... gostei muito da explicação contida no texto ... o que vc acha dos violões da Digiorgio da metade dos anos 1980 ?? ...

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